Autores: Adrian Hilbert, Bruno Moura e Matheus Pereira.
Já pensou na possibilidade de transportar carros dentro de um container? Gostaria de aprender mais sobre o transporte de veículos via cabotagem no Brasil?
Se ficou interessado leia este artigo, que tem como objetivo analisar se tal alternativa de transporte é economicamente viável. Um fator que possibilita essa análise são as diversas montadoras de veículos do município de São José dos Pinhais (PR), que precisam distribuir sua produção para suas concessionárias espalhadas pelo país.
Com esse cenário, foram analisados os custos rodoviários e de cabotagem para o transporte dos automóveis utilizando caminhões cegonha e contêineres, respectivamente. Além disso, foi também estudada a possibilidade de se utilizar embarcações Ro-Ro.
Devido à sua complexidade operacional e impacto direto nos resultados das grandes empresas, a logística tem recebido cada vez mais importância no âmbito do planejamento estratégico. Sendo assim, é cada vez maior o número de empresas que passam a enxergar o transporte de cargas como uma questão que deve fazer parte das discussões e decisões estratégicas da organização, deixando de ser uma questão de importância secundária e meramente operacional.
- Impacto
Praticamente todos os portos relevantes da costa brasileira estão cobertos por, pelo menos, um serviço de cabotagem, o que possibilita o escoamento da produção dos veículos com flexibilidade e de forma otimizada.
Aqui abordaremos os problemas que existem no modal rodoviário e os benefícios que a cabotagem apresenta quando discutimos sobre o transporte de automóveis novos por contêineres.
1.1. Análise do modal rodoviário em relação ao transporte de carros
Se tratando do setor de transporte de carros novos no Brasil, o caminhão cegonha é o modal mais utilizado. Devido à grande quantidade de carros transportados e outros fatores externos ao caminhão, são necessários diversos cuidados de segurança, tornando esse um processo delicado.
Apesar de todas as medidas, os números mostram que acidentes envolvendo caminhões são os que provocam mais fatalidades em todo território brasileiro (43% das mortes no trânsito registradas em 2019).
Um dos fatores de risco dos caminhões cegonha é que, em média, eles operam com cargas variando entre 30 a 50 toneladas. Esse peso torna os veículos instáveis e aumenta o risco de tombamento, principal causa de acidentes com caminhões. Além disso, essa grande carga acarreta no aumento do tempo de frenagem e sobrecarrega os freios, podendo causar em muitos casos até mesmo o seu colapso.
Outro fator que colabora com a grande quantidade de acidentes é a péssima qualidade das rodovias nacionais. Existem 1.691.522 km de rodovias no país e apenas 12,0% da malha é pavimentada, portanto o deslocamento de veículos pesados muitas vezes se torna inviável. Mesmo nos centros urbanos, os caminhões cegonha também têm sua locomoção comprometida, uma vez que encaram engarrafamentos e grande dificuldade de manobrar devido às dimensões das carretas, que podem chegar a 24 metros de comprimento.
Junto a esses fatores, o índice de roubo de automóveis em caminhões cegonha gerou um prejuízo da ordem de R$1 bilhão para o setor. Um efeito secundário do roubo de carga é o aumento do custo com o seguro desse tipo de operação e consequentemente o aumento do preço final dos veículos.
1.2. Análise da cabotagem no transporte de carros novos
Num país como o Brasil, de grande território, com extensa costa e permeado por bacias hidrográficas, o sistema aquaviário tem papel estratégico na integração regional. Em se tratando de transporte de automóveis pela via aquaviária, este modal ainda é pouco explorado, porém apresenta inúmeras vantagens em relação ao modal rodoviário.
Como o transporte já é feito utilizando contêineres, transportar carros neles seria uma operação quase trivial nos portos. Além disso, a integridade do produto é garantida, uma vez que este está num ambiente fechado, sem contato com o meio externo.
Pelo mar, há uma previsibilidade em relação ao tempo de transporte. Essa previsibilidade traz maior confiança na cabotagem, tornando-a um meio altamente competitivo frente ao transporte rodoviário de cargas.
Somado a isso, o índice de roubo de automóveis nesse modal é de 4,9 a cada 100.000 viagens, enquanto a cada 100.000 viagens rodoviárias, 41,4 apresentam roubo de carga. Isso mostra de forma evidente que, a bordo, a carga está menos sujeita a roubos e assaltos, mais frequentes nas rodovias.
Todos esses fatores acima corroboram para o transporte de carros novos utilizando a cabotagem utilizando contêineres.
- Análise Intermodal
2.1 Transporte de contêiner por caminhão
O transporte de contêiner por caminhão já é uma atividade praticada quando se deseja transportar um contêiner por terra. Nesse caso seria possível colocar os carros no contêiner na montadora e só descarregá-lo no destino final, minimizando a manipulação da carga e, assim, reduzindo o risco de acidentes. Além disso, como os carros não precisam ser descarregados nos portos, não será necessário um local particular para eles nos pátios.
Isso seria uma vantagem, pois o caminhão cegonha é um meio de transporte mais custoso e escasso que caminhões porta container, além de precisar de muitos carros para ser viável. Em contêineres, que podem ser carregados com menos veículos, o escoamento da produção poderá ser mais constante e de acordo com a demanda.
2.2 Transporte de contêiner por navio porta contêiner
Esses navios já tem como especialidade o carregamento de contêineres, logo não haverá dificuldade nesse sentido. A versatilidade do porta contêiner faz com que não seja necessário carregar uma embarcação inteira apenas com carros, logo não é obrigatória uma demanda tão grande como no caso de uma embarcação do tipo Roll-on Roll-off.
Outra questão é a maior frequência que esses navios saem do porto, o que possibilita uma chegada mais constante no destino e uma produção no melhor estilo “Just in Time”, baseando-se na demanda para realizar a produção.
2.3 Transporte de contêiner por Roll-on Roll-off:
Para a realização da cabotagem no Brasil, foi analisado a utilização de navios Ro-Ro. Estes, entretanto, mostraram-se aquém do que poderia ser feito com os Porta contêineres. Isso se deve ao fato de que, além de não serem utilizados nacionalmente e precisarem, portanto, ser comprados, a demanda de veículos ao qual esse tipo de embarcação serviria não existe atualmente. Hoje a demanda de carros nacionais é inferior à capacidade média de navios desse tipo.
Outra complicação que seria encontrada para sua implementação é a necessidade de aumento significativo de pátios nos portos para comportar a quantidade de automóveis a serem transportados. Outra consequência direta disso seria a enorme capacidade de estoques para armazenar tamanha produção, o que não existe hoje.
Por fim outra razão para a não implementação de navios Ro-Ro seria a baixa frequência de viagens as quais eles seriam submetidos, pois carrega uma grande quantidade de veículos comparada a demanda, não atendendo, portanto, a função desejada de entrega veloz do produto e escoamento devido da produção.
A título de ilustração, segue uma tabela comparando os modais de transporte:
Tabela 1:Modais de transporte
2.4 Comparação do Transporte de contêiner por Roll-on Roll-off e por Porta contêiner
Para fazer essa comparação é necessário primeiramente fazer uma análise dos navios. Os Ro-Ros são grandes embarcações de águas profundas que exigem grandes portos e rampas para o carregamento da carga. Já, os navios porta-contêineres oferecem uma escolha mais ampla de rotas de navegação para chegar ao mercado. Além disso, o contêiner é uma carga multimodal, pois pode ser transportado por um caminhão, como pode ser transportado no porão de um navio oceânico.
Um dos problemas do transporte no Navio Ro-Ro é o número de vezes que a carga é manuseada, pois o carro precisa embarcar no caminhão cegonha, depois ser posto no pátio do porto, para depois ser embarcado no navio. Já no transporte por contêiner, o carregamento ocorre na montadora e o descarregamento em seu destino final. É importante ressaltar, que quanto maior o número de manuseios, maior a possibilidade de dano a carga, juntamente com a redução da velocidade do processo.
Pontos Positivos | Pontos Negativos | |
Ro-Ro | Alta capacidade Preços favoráveis em grandes volumes | Não faz porta a porta Mais manuseio Não consegue lidar com médio a baixo volumesMaior tempos de trânsitoSó pode entrar em portos grandesRequer grande e caro pátios / áreas de armazenamento |
Navio Porta Contêiner | Taxas de dano mais baixas Movimentos mais rápidos. Manuseio reduzido | Precisa de carga e carregamento especializadosCusto logístico adicional de sistemas de estantes móveis de volta à origem Maior tempo de carregamento por carro |
Tabela 2: Pontos positivos e negativos dos navios citados
3. Análise do Contêiner
Tendo em vista que a cabotagem brasileira não possui navios Ro-Ro, uma solução para o transporte de carros é a utilização do contêiner High Cube em conjunto com o sistema R-RacK.
O sistema R-RacK foi desenvolvido pela empresa Inglesa Trans-Rak que atua no setor de transporte marítimo com objetivo de desenvolver soluções para o transporte de veículos.
O R-Rak é um sistema removível de rack para carros que permite uma ampla variedade de veículos seja eficientemente colocados no contêiner. O R-Rak maximiza o número de veículos que podem ser carregados com segurança em um contêiner, elevando e protegendo os veículos. O sistema pode ser instalado em praticamente qualquer contêiner e removido no destino final para o reposicionamento dos carros.
Benefícios do R-RAK:
- Adapta-se a todas as marcas e modelos de veículo
- Permite transportar combinações de diferentes tamanhos de veículos
- Cabe em todos os tamanhos de contêiner
- Fácil e rápido de carregar
- Requer pouca habilidade do operador
- Equipamento comum para todas as cargas
Imagens do contêiner High Cube com o sistema R-RacK:
Contêiner High Cube R-RacK com 4 automóveis, modelagem no SolidWorks
Contêiner High Cube R-RacK com 3 automóveis, modelagem no SolidWorks
Outro ponto positivo desse sistema, é que na hora do retorno dos contêineres ao porto de origem é possível colocar 60 Racks em um contêiner de 40 pés. Assim, os outros contêineres podem ser utilizados para por outros tipos de cargas.
4.Traslado Fábrica-Porto e Porto-Concessionária
Como dito antes, os carros são dispostos no contêiner na montadora e retirados nas concessionárias. O carregamento e descarregamento podem ser feitos dirigindo os automóveis para dentro ou para fora do contêiner por meio de uma rampa. Esse equipamento deve ser acoplado à parte interior da porta do contêiner.
Para simular este tipo de carregamento foi utilizado o Software SolidWorks para ilustrar o arranjo dos carros no caminhão Porta Contêiner.
Renderização da rampa no caminhão
Vale ressaltar, que esta rampa foi projetada para ser desmontada, podendo ser armazenada entre a carroceria do caminhão e o contêiner. Com isso, evitaria que esta ocupasse espaço na concessionária ou no porto.
5. Inovações
Ao contrário da tendência nacional de transporte de veículos, esse trabalho baseia-se na cabotagem para distribuí-los. Com isso, o uso dos caminhões cegonha poderia ser reduzido utilizando outros meios de transporte nos trajetos, como por exemplo o caminhão porta contêiner, montadora-porto e porto-concessionária, minimizando a utilização deste tipo de caminhão.
5.1. Redução do custo
Tendo em vista que o custo do transporte da mercadoria é um dos fatores que mais encarece o produto final, uma redução desse custo levaria mais pessoas a terem acesso aos automóveis novos. Isso também favorece as empresas de cabotagem e poderia aumentar a margem de lucro das montadoras.
5.2 Expansão da cabotagem
A inserção de mais um produto na cabotagem alavanca todo o modal e, sendo o automóvel um bem de consumo difundido no país, isso possibilita um crescimento econômico para o Brasil.
5.3 Design do contêiner
A nova disposição dos carros nos contêineres viabiliza uma maior quantidade de transporte de automóveis por embarcação. Desse modo, seria possível um aumento do lucro da empresa com a diminuição dos gastos com o transporte.
Na atualidade já existem transporte de veículos por meio dos contêineres, entretanto no Brasil essa prática não é realizada em grande escala para escoar a produção. Alocando 2, 3 ou até mesmo 4 carros por contêiner é possível competir com o sistema vigente por cegonhas.
5.4. Produto entregue no contêiner para consumidor final
Utilizando contêineres, as montadoras deixam de utilizar, de modo frequente, os caminhões cegonha, uma vez que o consumidor final é atendido pelo uso da cabotagem e pelo transporte em caminhão contêiner. Dessa forma, há uma menor dependência e influência dos “cegonheiros” nos negócios das montadoras de automóveis.
6. Conclusão
Desse modo, conhecendo-se as falhas e dificuldades do transporte de carga pelo modal rodoviário, a alternativa apresentada para o escoamento via rotas marítimas é amplamente justificado.
No que diz respeito à viabilidade logística da realização do projeto, sabendo-se que o contêiner já é a forma atual de transporte de carga a bordo, logo precisaria ter pouca ou nenhuma mudança, no funcionamento e estrutura dos portos. Há a possibilidade, entretanto, de ser necessário aumentar o tamanho dos pátios portuários para alocar veículos.
Aliado a isso, o meio vigente de transporte, os caminhões cegonha, poderiam ser substituídos por caminhões contêineres. As vantagens dessa substituição são inúmeras e algumas delas são, por exemplo, o alto custo da utilização do caminhão cegonha e a maior facilidade de entrada e saída dos portos através de caminhões conteiner. Para de fato implementar essa inovação, instrumentos como rampas seriam indispensáveis para entrada e saída dos veículos nas montadoras e concessionárias.
Prosseguindo, também foi traçado um paralelo entre a utilização de porta contêineres e navios Ro-Ro. A conclusão foi que economicamente seria mais viável permanecer com as embarcações padrão já utilizadas, uma vez que não há embarcações Ro-Ro disponíveis para cabotagem no Brasil, nem há demanda suficiente para tal, entre outros motivos já citados.
Estes foram os principais aspectos a serem considerados na hora de analisar o transporte de carros via cabotagem no Brasil. Se você estiver se sentindo um tanto perdido, entre em contato com a Liga Naval que iremos te orientar da melhor forma! Temos como propósito incentivar o uso da cabotagem no Brasil e, assim, desenvolver o nosso país com meios de transportes mais eficientes.
Bons ventos!
Autores: Adrian de Siqueira Hilbert, Bruno Moura e Matheus Pereira
Graduandos em Engenharia Naval e Oceânica pela UFRJ
Trabalho apresentado no Desafio Mercosul Line, que ocorreu na Universidade de São Paulo (USP) em 2019, com o tema: “Análise do transporte por cabotagem para a movimentação de automóveis novos no Brasil”. Nele, o grupo formado pelos graduandos Adrian de Siqueira Hilbert, Bruno Moura, Matheus Pereira e Thales Andrade teve privilégio de ficar entre as 5 melhores equipes do desafio de um total de 30 equipes de todo país.