Plano de Linha do Volvo Ocean 65 – Veleiro da Regata Volvo Ocean Race
Para a maioria dos construtores amadores, o plano de linhas é um grande mistério, mas ele nada mais é do que uma representação gráfica, em duas dimensões, das formas de um casco ou às vezes de um convés. Neste artigo, irei explicar como se faz um Plano de Linhas.
O plano de linhas, etapa inicial do trabalho, é um sistema de projeção em vistas ortogonais que visa à representação das principais características da forma do casco, de modo que toda a sua geometria possa ser representada em três planos: plano de balizas, plano de linhas do alto e plano de linhas d’água. Estes mostram as interseções, respectivamente com o plano vertical transversal, com o plano vertical longitudinal e com o plano transversal longitudinal.
O Plano de Balizas expõe a vista frontal do casco. Ou seja, é definido pelo plano YZ e representa as seções transversais da embarcação. Seu contorno é determinado pelas medidas máximas horizontal e vertical, que serão, respectivamente, a boca (B) e a altura máxima do convés (incluindo bordas falsas), que chamaremos de H (H x B). As balizas da seção mestra até a proa são representadas do lado direito, enquanto as da seção mestra até a popa do lado esquerdo. Pode se fazer isso devido à simetria encontrada nas embarcações.
O Plano de Linhas do Alto mostra a vista lateral do navio. Ou seja, é definido pelo plano XZ e representa as interseções do casco com o plano vertical longitudinal. Por convenção. O barco é desenhado com a popa do lado esquerdo da folha. O contorno será definido pelo comprimento total (Loa), na horizontal, e pela altura máxima H, na vertical, (Loa x H).
O Plano de Linhas D’Água exibe a vista superior do navio. Ou seja, é definido pelo plano XY e representa as interseções do casco com o plano transversal longitudinal. Apesar da simetria transversal da embarcação, será desenhado um retângulo com as dimensões horizontal e longitudinal (Loa x B). Um dos bordos ilustrará as linhas d’água, além do contorno mais externo do casco (geralmente o convés), enquanto o outro conterá a diagonal de bojo.
Tratando-se do trabalho a ser desenvolvido, a disposição das vistas no papel milimetrado deve ser planejada de antemão. É recomendável que o projetista opte por uma das duas disposições apresentadas abaixo.
Grade de Referência:
A grade de referência fornece parâmetros para o desenho do contorno da embarcação e das linhas dos planos. Deverá ser feita à caneta, com traço mais fino possível.
Suas dimensões horizontal e vertical são, respectivamente:
Plano de Balizas: Boca (B) e pontal (D);
Plano de linhas do alto: Comprimento entre perpendiculares (Lpp) e pontal (D);
Plano de linhas d’água: Comprimento entre perpendiculares (Lpp) e meia boca (B/2).
Divisão do Plano de Balizas:
O retângulo do plano de balizas deve ser dividido ao meio por uma linha vertical, chamada de linha de centro (LC). Como já dito anteriormente, à direita desta linha serão representadas as balizas que estiverem da seção mestra até a proa, e do lado esquerdo as que estiverem da seção mestra até a popa.
Logo após dividirmos cada bordo em três partes iguais, através de planos verticais paralelos ao plano diametral. Chamaremos esses planos de I, II e III e estes definirão as linhas do alto.
Para a divisão vertical desse retângulo observa-se a altura do calado. Caso este seja inferior a um terço do pontal, considera-se o traço inferior do retângulo como sendo a linha de base (LB) e divide-se o retângulo apenas em duas partes iguais até a altura do calado, definindo as linhas de LB, T/2 e T. Por outro lado, se o calado for maior que um terço do pontal, dividimos em quatro partes, sendo definidas as alturas da LB, T/4, T/2, 3T/4 e T. Além disso, entre o calado T e o pontal D deve ser possível adicionar mais dois planos horizontais. Esses planos definirão as linhas d’água.
Divisão do Plano de Linhas do Alto:
A divisão no sentido longitudinal será feita através de cortes transversais ao navio. As balizas serão definidas pela interceptação desses planos com o casco. Primeiramente se divide a grade de linhas do alto em 5 partes iguais, definindo as balizas 1, 2, 3 e 4, sendo que os extremos da grade já definem as balizas PR=0 e PV=5.
Posteriormente, é aconselhável inserir mais balizas, principalmente à vante, devido ao fato que nessa região do casco ocorrem mudanças de forma mais bruscas. Essas balizas extras podem ser chamadas de 1 ½, 2 ½, 3 ½, 4 ½.
Tendo em vista que tanto no plano de balizas quanto no plano de linhas do alto a dimensão vertical é o pontal, a divisão vertical das linhas do alto será um reflexo da divisão vertical do plano de balizas.
Divisão do Plano de Linhas d’Água:
A grade do plano de linhas d’água será desenvolvida em função da meia boca (B/2) e do comprimento entre perpendiculares (Lpp). No sendo longitudinal divide-se o retângulo da mesma forma que o eixo horizontal do plano de linhas do alto. Já ao longo do eixo vertical, o plano de linhas d’água será dividido da mesma forma que o plano de balizas ao longo do eixo horizontal, ou seja, LC, planos I, II e III.
Geração de Forma:
Após ter terminado a grade e ter passado à caneta, começa-se a confecção do plano de linhas. Para isso, é necessário obter, a partir dos pontos do artigo base, três parâmetros de contorno principais: baliza da seção mestra, linha d’água do convés e a posição da(s) quina(s) em uma das vistas (caso exista quina). Uma vez obtido tais pontos, são transferidos para a grade, lembrando sempre de converter para a escala escolhida. Essa etapa é de extrema importância, pois é a partir desse contorno que todo o plano de linhas ganhará forma. Temos dois tipos de confecção de plano de linhas. O primeiro para barcos de cascos arredondados e o segundo para barcos quinados.
Plano de Linha em um Casco Arredondado:
No casco curvo, o traçado das linhas d’água é feito primeiro, seguido pelos traçados dos planos de balizas e do alto, nesta ordem. Para as linhas d’água, necessita-se definir três pontos para estabelecer a curva. O primeiro e o terceiro ponto é dado pelo encontro da linha d’água em questão (LB, T/4, T/2, 3T/4, D-T/2 ou T) com o contorno do casco no plano de linhas do alto, podendo assim ser medida a distância longitudinal de tais pontos (coordenadas X). Após medidas as distâncias longitudinais, esses pontos são marcados sobre a linha de centro no plano de linhas d’água. A distância longitudinal do segundo ponto é obtida medindo-se a distância da linha de centro até o contorno do casco sobre cada linha d’água no plano de balizas. Este segundo ponto é marcado sobre a seção mestra no plano de balizas, tendo como coordenada Y a distância medida anteriormente. Depois de marcados os três pontos, a linha d’água e desenhada da maneira mais harmônica possível com o contorno do casco. Este processo é repetido para todas as linhas d’água.
O próximo passo é o traçado das balizas. Nesse momento, cada linha d’água fornece a posição transversal Y, na interseção com as balizas. Além disso, no plano de Linhas do Alto, a linha de centro fornece a coordenada Z inicial de cada baliza. Dessa forma, todos os pontos necessários para o traçado de cada baliza são marcados.
Para finalizar, resta traçar as linhas do plano do alto. Para o seu traçado, tem-se o encontro de cada baliza com as grades verticais do plano de balizas, que fornecem a coordenada Z de cada ponto. Além disso, o encontro de cada linha d’água com as grades horizontais (LC, I, II, III e IV), está definido no plano de Linhas d’água, o que nos dá à coordenada X de cada ponto. Transpondo esses pontos para o plano de Linhas do Alto, o traçado é feito acompanhando a suavidade do contorno do casco já traçado. Assim como no casco quinado, é importante que as linhas do alto estejam coerentes com a forma do casco.
Depois de finalizar o plano de linhas devemos carená-lo, e então traçar a linha de bojo que é feito da mesma maneira em cascos redondos e quinados. A linha de bojo consiste em um corte longitudinal gerado por um plano que contenha a diagonal do retângulo T x B/2(no Plano de Balizas), que deve ser rebatido em um plano horizontal, e representado como uma linha d’água, na parte inferior da respectiva grade. No plano de balizas será visualizada como uma linha reta que corta o retângulo com origem na (Y,Z) = (0,T) e extremidade (B/2,0). É traçada tanto à ré como à vante, e está demonstrada pela reta diagonal em vermelho na figura a seguir.
Plano de Linha em um Casco Quinado:
A primeira etapa é desenhar o contorno da embarcação nos 3 planos baseando-se no artigo. Primeiro desenha-se o contorno referente à linha de centro no plano de linhas do alto, bem como a representação das quinas neste plano. Em seguida, o contorno referente à seção mestra no plano de balizas e o contorno do convés no plano de linhas d’água. Se houver borda falsa, esta deve ser representada nos 3 planos.
Em seguida, como o casco é quinado, o primeiro plano a se traçar deve ser o de balizas, começando pela projeção das quinas. Se não for dada pelo artigo a vista a ré ou a vista vante do navio, o que é comum, a projeção das quinas no plano de balizas deve ser estimada na respectiva vista que falta. Uma vez desenhadas as quinas, começamos a traçar as balizas. Para tal, baseado no contorno do casco no plano do alto, pegamos as alturas em que cada baliza intercepta o fundo do casco, as quinas e o convés no plano do alto e transferimos essas alturas para a linha de centro, as projeções das quinas e o convés, respectivamente, no plano de balizas.
A seguir, deve-se traçar o plano de linhas d’água, a começar pelas quinas. Para traçar uma quina, baseado no traçado das balizas no plano de balizas, pega-se a distância horizontal em que cada baliza intercepta a quina, e marca-se essa distância na vertical da respectiva baliza no plano de linhas d’água, por fim, une-se os pontos da forma mais suave possível. O procedimento para o traçado das linhas d’água T/4, T/2, etc. é análogo, ou seja, a distância horizontal em que cada linha d’água corta uma baliza (ou uma quina) é transferida para a respectiva baliza (ou quina) no plano de linhas d’água, e então unem-se os pontos. Nesse momento, é importante atentar para o carenamento, pois os pontos em que as linhas d’água interceptam as quinas e o limite do casco devem coincidir nos 3 planos.
A terceira etapa consiste em traçar as linhas no plano de linhas do alto. Do plano de balizas, tiramos as alturas em que a linha do alto que vai ser traçada intercepta cada baliza, e esses pontos são marcados nas respectivas balizas no plano de linhas do alto. Nesse momento, deve-se atentar para os pontos em que a linha do alto intercepta cada quina e cada linha d’água. Para isso, usamos tanto o plano de balizas quanto o plano de linhas d’água. Para as interseções com as linhas d’água, os pontos devem estar alinhados em relação ao plano de linhas d’água (mesma coordenada X) e para as interseções com as quinas, além de alinhados em relação ao plano de linhas d’água, eles devem ter a mesma coordenada Z do plano de balizas. Por isso é essencial que seja feito um bom carenamento.
Por fim, deve-se traçar a diagonal de bojo, que é uma diagonal no plano de balizas que sai da altura do calado até o limite inferior da grade, tanto para esquerda quanto para direita (ré e vante). Pega-se então as distâncias sobre a reta, do calado (Y = 0 e Z = T) até cada baliza, e transfere-se esse valor verticalmente para cada baliza na metade inferior do plano de linhas d’água. Une-se então os pontos e têm-se o traçado da diagonal de bojo no plano de linhas d’água que, para cascos quinados, possui apenas função didática, uma vez que seu objetivo consiste em mostrar a junção entre fundo e costado em cascos curvos.
Carenamento
Em ambos os casos (casco quinado ou arredondado) devem ser esperadas inconsistências quanto à mesma cota tomada em mais de uma vista. Essas inconsistências ocorrem devido ao processo que resulta em uma estimativa da forma da embarcação em questão, além de imprecisão de transferência do desenho do artigo para o papel milimetrado (incluindo precisão limitada da escala do artigo e da régua). Para evitar tais inconsistências o aluno deve ser minucioso e analisar, e ajustar quando necessário, a posição das cotas das balizas, quinas, linhas d’água e linhas do alto, para que as coordenadas de um mesmo ponto sejam consistentes em todas as vistas ortogonais.
A correção dessas variações é de extrema importância para a representação precisa da geometria do casco. Assim, quando um ponto qualquer é unicamente representado nas três vistas sem variações bruscas da forma, dizemos que o plano de linhas está carenado.
Tabela de Cotas
Com o plano de linhas terminado, carenado, é montada a tabela de cotas que é a representação numérica da superfície do casco. Ela tem como finalidade fornecer os pontos para o cálculo numérico das características da embarcação, como o volume submerso e a posição do centro de carena (CB). A tabela de cotas está disposta da seguinte maneira: o topo da tabela (rosa) é dividido em colunas onde cada coluna representa uma linha d’água com ‘’Z’’ constante, a lateral esquerda (laranja) é dividida em linhas onde cada linha representa uma baliza com ‘’X‘’ constante. Já o corpo da tabela (azul) conterá a coordenada ‘’Y‘’ de cada interseção entre uma linha (X) e uma coluna (Z). Ao final de cada linha existem mais dois pontos (verde) indicando o início e o fim da respectiva baliza, e ao final de cada coluna, outros dois pontos indicam o início e o fim da respectiva linha d’água (em vermelho).
A tabela de cotas, não contribui para uma visualização do casco, mas com seu auxílio, podemos calcular os valores das propriedades submersas da embarcação e adiante com o uso computacional obteremos uma representação tridimensional do casco da embarcação.
Estes são as etapas para fazer um plano de linhas. Se você estiver se sentindo um tanto perdido, entre em contato com a Liga Naval que iremos te orientar da melhor forma! Temos como propósito incentivar a cultura náutica e te auxiliar no projeto do seu barco dos sonhos.
Bons ventos!
Autor: Adrian Hilbert –
Presidente da Liga Naval
Graduando em Engenharia Naval e Oceânica pela UFRJ