Sua formação é em Engenharia Mecânica. Em que momento da carreira e por que o senhor decidiu se especializar na área naval? Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória ao sair da faculdade.
Então, eu nasci em uma família de construtores navais. A minha família teve 3 estaleiros e duas empresas de navegação, uma delas se chamava Viação Cantareira hoje Barcas S.A. O meu avô José Carreteiro sempre quis que alguém da família estudasse engenharia porque os filhos dele todos foram médico, um técnico de máquinas e motores ou advogados, nenhum engenheiro. Ele me pegava no colégio Brasil, de Niterói, fazendo minha cabeça para eu ser engenheiro. Naquela época nem tinha engenharia naval ainda; esse curso, no Brasil, começou só em 1961, na Escola Nacional de Engenharia, lá no Largo de São Francisco. Então acabou que eu fiz engenharia mecânica, mas sempre gostei da área naval e marinha mercante. Todo o know-how que eu tinha de construção, montagem, projetos de engenharia era de engenharia naval; e até estágio no Arsenal de Marinha fiz, mas eu fui pra PUC-RIO estudar engenharia mecânica de produção. E, durante o período em que eu estava na Faculdade, eu, que sempre me envolvi em muitos projetos lá dentro e sempre gostei muito de inovação, fui procurado por colegas meus para estudarmos um assunto novo, que era sobre como transformar um óleo lubrificante usado que era jogado fora e torná-lo novo. Então começamos a estudar isso e era uma demanda interessantíssima; então, em 1965, com mais 3 amigos, montamos a primeira unidade fabril no Brasil, lá em Santa Cruz, e o negócio cresceu de uma tal maneira que a gente montou uma distribuidora de lubrificante, para fabricar lubrificante, que se chamava Distribuidora Hyper.
Vimos que o senhor já exerceu diferentes cargos dentro da Petrobrás. Como se deu o seu processo de entrada? Como foi a sua experiência lá dentro?
Eu me formei em 1967 e eu entrei pra Petrobrás em 1970 porque tinha um professor meu da PUC que trabalhava na Petrobrás e sempre conversava comigo e um dia falou “Poxa, mas por que você tem uma distribuidora e a Petrobrás não?”. Seis meses depois, veio o edital requisitando engenheiros para formar uma empresa chamada Petrobrás Distribuidora. Aí eu vi aquilo, me candidatei, passei no concurso público e fiquei incumbido com mais 5 companheiros de fazer a linha de lubrificantes dessa nova empresa, a linha Lubrax, e lá fiquei por 26 anos. Mas aconteceu que a minha volta ao mercado naval se deu cinco anos depois, porque a Petrobrás tinha estaleiro, empresa de navegação, etc. e o estaleiro estava mal administrado em Manaus. Aí aconteceu um processo interno para quem tinha um know-how em construção naval e, quando viram que eu tinha conhecimento sobre o assunto, fui escolhido presidente do estaleiro, muito jovem ainda. O estaleiro ESTANAVE ficava em Manaus, numa localização estrategicamente fantástica, no norte do país, na Zona Franca de Manaus, próximo dos mercados americano e latino-americano, especialmente a Venezuela, Peru e o Equador. Foi uma experiência incrível, na época em que estava havendo os incentivos do governo à construção naval, com dinheiro financiado da SUNAMAM (Superintendência Nacional da Marinha Mercante). O estaleiro construía navios petroleiros, navio patrulha fluvial, rebocadores portuários, empurradores, balsas petroleiras, portos flutuantes e embarcações de apoio marítimo (supply boats).
Um assunto levantado nos últimos anos é como encerrar corretamente as atividades de navios e plataformas. A fim de promover o debate no país, a SOBENA criou um comitê o qual o senhor coordena. O que esse grupo almeja?
Em 2014, eu tomei a iniciativa de criar um grupo de estudos sobre desmonte de embarcações inservíveis, já identificando que a indústria naval não ia ter mais demandas. O objetivo sempre foi e ainda continua sendo tentar colocar uma nova demanda para os estaleiros, que é o desmonte de navios, pois nós não o fazemos, é feito no exterior. Eu reuni mais ou menos umas 30 pessoas, usando as dependências do SINAVAL, que foi um sindicato fundado em 1954 pelo meu pai e o Paulo Ferraz, falecido dono do Estaleiro Mauá, para debater sobre isso, estudar o que está acontecendo no mundo, levantar as legislações, as boas práticas e as tendências. É um processo longo, envolvendo estaleiros, siderúrgicas, a Marinha, Universidades e alguns outros órgãos. E um dos estaleiros da minha família era de desmonte de navios, inclusive o meu irmão mais velho era o presidente, então eu tinha contato com essa área e acabei adquirindo um bom conhecimento sobre ela. Procuro compartilhar o meu conhecimento com outros engenheiros para alavancar essa atividade no Brasil. Nosso trabalho sempre focou na responsabilidade social, na segurança do trabalhador e no meio ambiente. Eu trouxe um especialista em gestão de resíduos para fazer parte desse grupo. Em novembro de 2016, eu fui convidado pelo grupo tripartite CNTT 34, organizado pelo Ministério do Trabalho, Centrais Sindicais e o SINAVAL, que se reúne todo ano regularmente, do qual fazem parte a Petrobrás, a Transpetro, a Marinha e Centrais Sindicais, para resumir todo o trabalho que nós tínhamos feito nesses dois anos, ocasião em que afirmei que o objetivo maior tem sido de fomentar uma outra atividade para os estaleiros, uma atividade complementar para poder sobreviver em meio à crise. Todos, de modo geral, foram muitos simpáticos ao que eu falei. Foram 2 horas de apresentação. Eu tenho 25 arquivos de pesquisa sobre esse assunto, que tem caráter mundial. Além disso, recebi um convite do presidente da SOBENA (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval) para assumir e coordenar um Comitê de Descomissionamento de Navios e Plataformas e um workshop sobre esse assunto foi organizado e realizado em maio deste ano, com presença internacional da GMS e com palestrantes da Petrobrás, IBAMA, ANP e Marinha do Brasil, com muito sucesso.
O grupo de estudos continuará suas atividades no dia 5 de julho, objetivando propor sugestões e recomendações sobre o processo de desmonte para análise do grupo tripartite Ministério do Trabalho/Centrais Sindicais e SINAVAL, CNTT 34.
Como o senhor vê a participação dos jovens engenheiros nesse processo?
É um caso típico de engenharia reversa. Você tem a engenharia da construção e você tem a engenharia do desmonte. Então a engenharia é essencial nesse processo. São procedimentos que não podem ser feitos de qualquer maneira. Lá na China, Paquistão, Bangladesh, Índia e Turquia, por exemplo, muitas vezes ocorrem explosões e mortes no desmonte de navios, justamente por não aplicarem a engenharia, menosprezarem detalhes como o de que um tanque de combustível, mesmo sendo retirado, possui gases que podem causar explosões. Mas depois de uma série de acidentes, houve uma intervenção positiva da IMO (Organização Marítima Internacional) e, hoje em dia, estão sendo feitas vistorias em todos os estaleiros, classificando-os como aptos ou não a realizar o desmonte ou desmantelamento. E, pelo que eu sei, até agora somente metade dos estaleiros foram certificados. Então esse é o momento para investir nesse mercado, pois muitas oportunidades acontecerão.
Tendo em vista as demandas atuais do mercado e sua experiência na Amazônia, como o senhor vê o incentivo à navegação de cabotagem? É um segmento em que o Brasil deveria se tornar referência?
Sim. A costa brasileira é muito grande. Eu tenho um projeto que estudei com um executivo do estaleiro de Manaus – ESTANAVE, chamado roll-on/roll-off da Cabotagem, que de Belém até Porto Alegre você poderia fazer portos especiais para que os caminhões entrassem dentro deste navio. Os cavalos poderiam deixar só a carga no navio para ser transportada até o próximo porto ou até o seu destino final, onde teriam outros cavalos mecânicos para continuar o transporte da mesma até a indústria, por exemplo. Ou o caminhão com a carga entraria no navio. Dessa forma, haveria uma redução de caminhões em nossas estradas e a estrada passaria a ser líquida. Esse projeto está pronto. Vai chegar em um ponto em que as estradas passarão a não suportar mais tanta movimentação de carga. Acho que esse é o momento adequado para se investir neste projeto.
Na sua opinião, o que falta para que o mercado naval alavanque no Brasil?
O mercado naval brasileiro vive de ciclos. E todos os construtores navais precisam de continuidade. Por exemplo, foram feitos o primeiro e o segundo planos de construção naval, e depois disso não houve continuidade, o que é uma falta de planejamento. Para haver continuidade, é preciso planejamento. Apesar de termos uma costa grande, não há o incentivo à navegação de cabotagem. Então os poucos armadores brasileiros não têm, atualmente, incentivo para construir nada aqui. Quando se tem projeto de cabotagem, em que se obriga as empresas armadoras a serem brasileiras, você vai dar mercado para os estaleiros daqui. Quando se investe em estaleiros de desmonte de navios, há geração de emprego e a possibilidade de alavancar o país neste mercado. Mas, para isso, são necessárias uma regulamentação adequada e a conscientização dos estaleiros, o que nós ainda não temos.
Sabemos que o senhor já lecionou em algumas universidades, possui 5 livros publicados, diversos artigos publicados em revistas especializadas do setor, já foi presidente do Estaleiro ESTANAVE e da Companhia de Navegação da Amazônia-CNA, atuou em vários cargos no Sistema Petrobrás, entre outras coisas, e que hoje é titular da Rona Assessoria Comercial. Qual foi sua estratégia para conseguir estar à frente de tantos projetos?
Eu sempre fui muito proativo, empreendedor. Na faculdade, eu gostava de me envolver em várias atividades e conhecer pessoas. Uma dica muito valiosa é valorizar cada um dos seus colegas de faculdade, porque, mais à frente, eles podem estar envolvidos em projetos dos quais você vai querer fazer parte. Eu também sempre gostei de frequentar congressos e, até hoje, eu sempre espero até o final pra ter uma oportunidade de me apresentar para os palestrantes e outros colegas de profissão. É muito importante você se preocupar em cultivar uma boa rede de contatos. Outra coisa que eu também sempre busquei foi pensar de forma inovadora e em como eu poderia melhorar minha contribuição para a empresa e para o mercado competitivo.
Com base na sua experiência com o mercado naval, qual conselho o senhor daria para os graduandos que estão perto de se formar?
Empreendedorismo. Para mim, essa é a chave para o sucesso em qualquer profissão. Empreendedorismo é “fazer acontecer”, é ter persistência e acreditar nas ideias, é ter iniciativa para criar/inovar, é planejamento. A capacidade de se ter visão e perseguir oportunidades aprimora-se com o tempo. Sendo assim, eu recomendo estudo sobre gestão empresarial, planejamento estratégico e empreendedorismo. Eu fui professor de empreendedorismo. Eu introduzi essa disciplina, denominada administração empresarial, em 1985, na engenharia. É o que eu fortemente recomendo. Vale muito a pena. Tem uma aplicabilidade incrível na sua vida.