O real papel de uma sociedade classificadora não é aconselhar ou tampouco sugerir. De fato, a classificação de um navio em construção é um tipo diferenciado de certificação, que somente confirma a adequação ou não da estrutura e dos sistemas a bordo com respeito a regras da própria S.C., regulamentos e requerimentos.
No que diz respeito ao escopo da classificação, o vistoriador responsável deve verificar, ao longo de toda a construção da embarcação, se o que está sendo feito está de acordo com os desenhos aprovados anteriormente pela própria S.C., atentando aos seguintes pontos:
- Estruturas pertencentes ao casco;
- Sistemas de tubulação;
- Sistemas elétricos;
- Motores;
- Geradores;
- Sistema de governo;
- Sistema propulsivo;
- Outros elementos de máquinas;
- Testes funcionais (Prova de Mar, inclusive).
Neste tipo de classificação, vistoria-se todo o escopo já citado. Ou seja, desde a aprovação do aço que será utilizado na estrutura (inspeção esta realizada em uma siderúrgica, aferindo as propriedades e composição química do mesmo) até os últimos testes realizados nas provas de mar, pouco antes da entrega da embarcação. Entretanto, o papel de um vistoriador residente em um estaleiro começa, na maioria das vezes, na inspeção de blocos. Nesta fase, todo o escopo referente aos diferentes materiais empregados já foi coberto por outro vistoriador, especialista neste tipo de certificação.
TIPOS DE INSPEÇÃO
Como já citado anteriormente, diferentes tipos de vistorias são feitas pela S.C. ao longo da construção de um navio, entre elas: testes de bancadas de equipamentos, inspeções estatutárias (ILLC, MARPOL, SOLAS, entre outras), inspeções estruturais, testes de inclinação e provas de mar. É importante frisar que, apesar de ser diariamente convocado para as inspeções, o vistoriador tem o dever de realizar as chamadas inspeções não programadas (em inglês “non-scheduled inspections”), sempre que tiver disponibilidade para tal, pois nestas ocasiões muitas não-conformidades que não seriam observadas em uma inspeção programada são detectadas.
A seguir, serão apresentados aqueles tipos de inspeção que serviram de base para a análise das principais não-conformidades.
Inspeção Estrutural de Blocos
Este tipo de inspeção é, normalmente, o primeiro contato de um vistoriador residente em um estaleiro com a estrutura dos navios em construção. A inspeção estrutural de um bloco é extremamente importante e tem alguns pontos que devem ter atenção especial por parte de quem a executa.
Logicamente, dependendo da região em que se encontra o bloco em questão, deve-se analisar quais serão os maiores e mais significativos carregamentos a que estarão sujeitos os elementos do mesmo. Por exemplo, se a unidade inspecionada está dentro de 0,4L do navio (parte central), prevalecerá o momento fletor, enquanto que nas extremidades (proa e popa), os esforços cortantes serão mais significativos. É extremamente importante, portanto, que se tenha uma visão global da estrutura, ou seja, pensar em como esta parte da estrutura irá trabalhar com o restante dos blocos após serem edificados, adjacentes uns aos outros.
Para que uma inspeção deste tipo seja executada de maneira satisfatória, é necessário que se tenha em mãos os desenhos aprovados por classe para a devida unidade. Na maioria das vezes, tais desenhos contêm comentários (que devem ser atendidos pelo estaleiro) feitos pelos engenheiros responsáveis pela aprovação de planos.
Ao se executar uma inspeção estrutural de um bloco, deve-se prestar especial atenção os seguintes pontos:
- Correta instalação de elementos e peças;
- Correto dimensionamento dos elementos principais e chapeamentos;
- Alinhamento entre elementos;
- Continuidade estrutural;
- Possibilidade de se rastrear determinado elemento (especialmente em caso de propriedades mecânicas diferenciadas);
- Qualidade geral da solda, dando atenção maior aos elementos com altos níveis de concentração de tensão;
- Identificar possíveis pontos que devem passar por algum tipo de teste não-destrutivo (“NDT”, em inglês);
- Presença de elementos não estruturais, mas presentes nos desenhos, como pocetos e dutos de ventilação.
Inspeção Estrutural de Emendas
Após ser aprovado, o bloco está apto a ser edificado, ou seja, içado e levado para o local de “montagem” do navio em si, que pode ser uma carreira, um dique ou um canteiro de obras. Entretanto, este processo implica em diversas dificuldades por parte dos estaleiros, pois é necessário um bom controle dimensional que garanta um correto posicionamento e um consequente alinhamento entre elementos de dois ou mais blocos adjacentes. Assim sendo, os estaleiros optam por deixar que algumas das peças já presentes nos blocos somente sejam soldadas na fase de edificação. Tais peças são comumente conhecidas como “takings”, referindo-se ao fato de serem “levadas” junto dos blocos para a edificação e devem, portanto, ser checadas em uma inspeção de emenda. Na foto abaixo, se tem um exemplo prático desta prática:
Foto com exemplos de peças não soldadas na fase de blocos, os “takings”.
Outra prática bastante comum dos estaleiros é a de se deixar uma margem nas soldas de emenda para ser feita no ato da edificação, para facilitar o processo de alinhamento entre os blocos adjacentes. Nas fotos seguintes, tal prática pode ser observada:
Fotos da margem sem solda deixada pelo estaleiro.
Além deste aspecto, outros devem ser analisados durante uma inspeção de emenda de bloco, como:
- Alinhamento entre elementos de blocos adjacentes;
- Condição geral da solda feita na emenda;
- Identificar possíveis pontos que devem passar por algum tipo de teste não-destrutivo (como a emenda entre perfis bulbo de blocos adjacentes, que geralmente são testados pelo método do ultra-som);
- Verificar se as margens não soldadas na fase de blocos foram devidamente finalizadas.
Teste Pneumático de Tanques
Com o objetivo de verificar a estanqueidade de tanques ou compartimentos estanques, o teste pneumático é feito através da pressurização do local a uma pressão em torno de 20 KN/m². A aferição da pressão de teste pode ser feita tanto através de um manômetro quanto de uma coluna de água. Todas as fronteiras soldadas devem ser testadas (à exceção daquelas feitas por processo automático de soldagem, que têm baixíssimas chances de vazarem) antes da pintura do local, fazendo uso de uma mistura de água e sabão, que facilitará a visualização de bolhas na presença de vazamentos.
Como será apresentado mais adiante no banco de dados, quase todos os tanques testados apresentaram vazamentos, o que representa um alto grau de retrabalho ao longo da construção de um PSV, pois é necessário que se desfaça a solda do local (processo conhecido como “goivagem”, que utiliza eletrodos como o de carvão), se solde e que sejam testadas novamente as regiões previamente reprovadas. Para que esta vistoria seja bem executada, é de extrema importância que se saiba quais são as fronteiras do tanque, que por muitas vezes é bastante complicada em PSV’s.
PROCEDIMENTOS DURANTE E APÓS INSPEÇÕES
Como já explicitado, o vistoriador responsável não deve, em hipótese alguma, dar conselhos ao estaleiro. Seu papel é somente aprovar ou, em caso negativo, apontar as não-conformidades presentes. Pensar em como corrigir os defeitos é função do estaleiro, podendo ficar restrito somente à produção ou, em casos mais sérios, ser levado à seção
de engenharia do mesmo. É importante ressaltar que, em toda inspeção, é necessário que esteja presente o responsável pela obra (“contra-mestre”), além de um supervisor do próprio estaleiro.
Em geral, após cada inspeção, o vistoriador deve relatar todas as informações relevantes em um relatório sobre a mesma, identificando basicamente:
- Qual inspeção foi feita;
- Pessoas do estaleiro presentes à inspeção;
- Condições gerais de segurança e limpeza;
- Não-conformidades encontradas;
- Resultado final da inspeção.
Posteriormente, o estaleiro solicitará novamente à Sociedade Classificadora que se apresente para realizar uma nova inspeção, chamada comumente de “retirada de pendências”. Geralmente, após esta inspeção, o vistoriador verifica se as correções feitas pelo estaleiro satisfazem os requerimentos.
CRITÉRIOS DE ACEITAÇÃO PARA DEFEITOS
Obviamente, durante as vistorias de um navio em construção, o vistoriador responsável deve seguir os livros de regra de sua S.C. Entretanto, há outros documentos que devem ser levados em consideração no momento de se avaliar os defeitos citados. O principal documento utilizado é o Regulamento nº. 47 da IACS (“International Association of
Classification Societies”, associação formada pelas 10 maiores e mais confiantes Sociedades Classificadoras do mundo: ABS, Lloyd’s Register, DNV, BV, RINA, NKK, GL, KR, CCS e RS), que define padrões e limites de aceitação para diversas não-conformidades. Por exemplo, o padrão para empenos em chapeamentos na região do
corpo paralelo é de 4 mm, enquanto que o limite é de 8 mm. Já em relação ao alinhamento, o limite é 1/3 da espessura do menor elemento envolvido. Também no mesmo documento, são estabelecidos diversos limites para a abertura de chanfros e raízes de juntas soldadas, como por exemplo, no caso de uma junta em “T”, a maior distância entre os dois elementos é de 3 mm.
Já no que diz respeito aos defeitos de solda, há outros documentos a serem levados em conta. Conforme especificado em ISO – Welding – Fusion-welded joints in steel, nickel, titanium and their alloys (beam welding excluded) – Quality levels for imperfections, que estabelece limites de aceitação relativos a diferentes níveis de qualidade exigidos, o limite de diâmetro para poros (em soldas de filete) em 30% do valor da garganta, enquanto o mesmo não admite falta de penetração em nenhum dos níveis de qualidade.
O vistoriador responsável deve, portanto, realizar suas marcações baseando-se nos citados documentos, além é claro de sua própria satisfação.
Fonte: RIBEIRO, Pedro Lanari. “Construção de PSV’s – Análise de casos reais”, Dezembro de 2009.