NAVALETTER DE MARÇO – EDIÇÃO ESPECIAL DE 01 ANO – 14ª EDIÇÃO
Você estudou na UFRJ. Em algum momento esteve no nosso lugar, passou por desafios semelhantes aos nossos. Gostaríamos de relembrar nesta entrevista seu período de faculdade. O que mais aproveitou na sua vida acadêmica? O que acha que deveria ter aproveitado? E o que indica para que aproveitemos?
É uma pergunta difícil e desafiadora, porque os tempos eram muito diferentes dos que vocês vivem hoje. Em comum, temos os mesmos professores de algumas disciplinas, como por exemplo arquitetura naval e projeto do navio. Entretanto, não tive os meios disponíveis que vocês têm hoje à disposição. Na minha época, não tínhamos computador disponível para gerar formas de casco e fazer o carenamento. Utilizávamos, lapiseira, nanquim, curvas navais e “virote”, sabem o que é isso?
Hoje, utilizando a computação gráfica, a geração da forma e o carenamento do casco é muito mais simples. Você clica 2, 3 vezes e o programa acha as interseções nas três vistas, plano do alto, linhas d’água e balisas. Na minha época, tínhamos que apagar e redesenhar muitas vezes no papel vegetal de três metros de comprimento. Nesse ponto, eu acho que o ferramental à disposição do aluno evoluiu muito na Universidade. Sem falar na ferramentas de cálculo para avaliação da resistência longitudinal da viga navio, estabilidade e comportamento hidrodinâmico. Tudo era feito manualmente ou de forma semi-automática utilizando-se alguns programas bem rudimentares. Apesar de todo sacrifício, tenho muita saudade daquele tempo.
Quando optei pelo curso de Engenharia Naval, não tinha uma visão global do que era essa carreira. O engenheiro naval é um profissional muito eclético. Ele permeia por muitas atividades do ramo naval, do ramo offshore, da indústria de óleo e gás e diversas outras atividades. Apesar de ter gostado muito de ter tido o primeiro contato com a engenharia naval pelas mãos dos professores das disciplinas básicas de arquitetura naval e projeto de navio, e ter me apaixonado logo de cara pelo projeto de navios, saí da Universidade sem muito embasamento em outras disciplinas relacionadas, tais como, por exemplo, estruturas, máquinas e sistemas navais, o que me fez alguma falta no início da minha vida profissional.
Eu fiquei distante da universidade por muito tempo. Voltei para fazer mestrado em 1997, se não me falha a memória. Nesse meio tempo, eu comecei a estudar engenharia civil, justamente por causa dessa carência das disciplinas de estruturas no nosso curso. Inicialmente, eu comecei a fazer um curso de mestrado na COPPE, só que eu não tinha o fundamental para assistir aquelas aulas, então pedi reingresso na Engenharia Civil da UERJ e puxei as cadeiras do profissional e cursei até o oitavo período. Fiz o que achei necessário, puxei as cadeiras de hiperestática, estrutura metálica e até fiz cadeiras de concreto e pontes que é o enfoque do curso.
E, por conta de compromissos pessoais e profissionais, eu tive que abandonar o curso da UERJ, até por que era durante o dia e trabalhar e estudar durante o dia era bastante difícil, mas foi muito bom. Me deu um “up” no que diz respeito a resistência dos materiais, coisa que a gente vê muito rasteiro na universidade. Aí, como disse anteriormente, só voltei à UFRJ em 1997 para fazer o mestrado, mas na área de hidrodinâmica, porque era mais um “gap” que eu precisava preencher. Foi muito bom, gostei muito de fazer o mestrado.
Ao sair da faculdade, tudo foi como o planejado, sonhado e almejado? Sabemos que nossa profissão será de altos e baixos, vivemos hoje em baixa, ao pisar fora da faculdade estamos encontrando diversos engenheiros recém formados desempregados ou insatisfeitos com a vida pós faculdade. O que da sua experiência pode servir de conselho para os engenheiros que estão saindo do forno?
É isso mesmo, a indústria naval é feita de altos e baixos. Não tem muito como a gente controlar isso. Mas o que aconteceu comigo? Bom, na iminência da minha formatura, estava estagiando na DNV no setor de aprovação de planos e, faltando de 6 a 8, meses para eu me formar fui informado que não haveria vaga para minha contratação.
Fui, então, procurar outras oportunidades no mercado (que não existiam). Dei uma sorte muito grande naquela época. Existia um grande estaleiro que estava saindo da falência, o Estaleiro EMAQ, na Ilha do Governador. Eu já tinha dois amigos que estavam estagiando lá e, conversando com eles, consegui uma vaga lá.
Naquele momento da minha carreira, se continuasse na DNV, hoje DNV GL, teria virado vistoriador de navios em serviço, o que não queria naquele momento. Queria trabalhar com projeto e construção.
Então eu consegui. Fui contratado como auxiliar de engenharia na EMAQ até a minha formatura. Já formado, trabalhei no departamento de projeto básico e depois no chamado “projeto de construção” do estaleiro.
Eu dei uma sorte muito grande desse estaleiro estar se recuperando da falência, com uma carteira com algumas encomendas de navios. Eu participei do projeto e construção de dois navios Ro-Ro e porta contêineres tipo “open hatch”, construídos pela primeira vez no Brasil. Não tinham anteparas transversais em toda região de carga.
Então isso foi incrível. Eu, recém saído da UFRJ, num estaleiro recém saído da falência, quem diria! Mas o que eu quero dizer para vocês é o seguinte: nem sempre a gente consegue uma oportunidade exatamente conforme as nossas aspirações profissionais. No meu caso, eu dei a sorte de ter acontecido, porque se não acontecesse, eu teria que adaptar a minha vida, a minha expectativa profissional naquele momento. Obviamente, eu iria adquirir um outro tipo de experiência profissional, como aconteceu com diversos amigos meus que iniciaram a vida profissional como vistoriadores.
No nosso ramo de atividade, que é muito norteado pela situação do mercado, a grande questão é saber gerenciar as nossas expectativas e ansiedades. As coisas levam tempo para acontecer. A gente sempre quer alcançar uma boa colocação e o desenvolvimento profissional, mas temos que entender que é necessário aprender a tirar proveito das ofertas que o mercado nos oferece, sejam elas quais forem. A capacidade de gerenciar nossa ansiedade e a atitude de assumir os risco na tomada de decisões são coisas que a gente tem que ter em mente nessa profissão.
Ao olhar seu perfil do LinkedIn encontramos uma descrição com 28 anos de experiencia na área naval. Vimos que o senhor trabalhou em diversos estaleiros, dentre eles, um em Lisboa. Uma ideia que rola no corredor da naval é: terminar a faculdade e ir trabalhar fora do Brasil. Fazendo uma comparação entre os estaleiros brasileiros e o estaleiro português em que trabalhou, o que aconselharia sobre tal ideia?
A minha ida pra Portugal foi um tiro no escuro. Eu era recém casado, sempre tinha tido a vontade de morar e trabalhar fora do país, e aí apareceu uma oportunidade, em um país que também falava a língua portuguesa.
Então eu fui e minha esposa foi junto comigo. Porque também existe essa variável, isso influencia na tomada de decisões. Mas nós fomos e eu não me arrependo nem um pouco. Foram dois anos de uma experiência diferente: nem melhor, nem pior. Isso me deu uma visão diferente da Engenharia Naval, porque eu era muito focado em estruturas e arquitetura naval e passei a ter uma visão melhor de máquinas e equipamentos navais.
Eu saí da faculdade sem esse conhecimento e pude ter essa experiência lá. Esse conhecimento me é útil até hoje, porque atualmente trabalho em uma Sociedade Classificadora, no setor de aprovação de planos, onde lidamos com muita coisa, desde estrutura a equipamentos e sistemas navais. Ter um conhecimento mais amplo abre os nossos horizontes como Engenheiros Navais.
São 15 anos na DNV. Trata-se da maior classificadora do mundo. Não é por menos que é um sonho entrar para o programa de trainee da DNV. O que diria sobre sua trajetória aqui?
A DNV, assim como outras grandes empresas, tem o programa de carreira chamado carreira “Y”. Ou você trilha, a partir de determinado momento, o caminho em que você vai crescendo profissionalmente como um gestor administrativo e de pessoas. Ou você segue uma carreira voltada para área técnica, em que você tem o mesmo nível de crescimento profissional, em termos de recompensa salarial, etc., de um gestor administrativo, mas estando numa outra progressão, numa outra trilha, mais voltada pra carreira técnica.
Eu entrei na DNV, hoje DNV GL, em 2002. Em 2003, eu já era gerente de projetos. Em 2004 ou 2005, eu já era chefe de sessão. Isso foi me afastando cada vez mais da área técnica. E aí vai do gosto pessoal de cada um. Eu, por exemplo, gosto bastante dessa área de gestão de pessoas, mas eu gosto muito da área técnica. Então eu tinha demandas que estavam me afastando muito da área técnica.
O que é a área técnica para mim? Não é somente desenvolver atividades técnicas, mas também fazer o trabalho de coaching, compartilhar conhecimento e experiências. À medida em que você vai, cada vez mais, assumindo uma carreira gerencial, em que você cuida mais de contratos, licitações, etc., você tira um pouco o seu foco da de gestão do conhecimento técnico e de capacitação das pessoas. Então, em 2011, se não me falha a memória, eu tomei uma decisão. Dentro da própria empresa, eu tomei a decisão de que não mais queria trilhar esse caminho da gestão administrativa, eu queria agora seguir uma trilha mais técnica. A empresa, obviamente tendo que repor a minha função, me permitiu fazer essa migração. Hoje sou Engenheiro Principal, gerente de projeto, e faço aquilo que eu sinto poder contribuir muito mais pra DNV e para minha carreira do que se eu continuasse seguindo a trilha anterior.
Qual o papel atual da DVG-GL no ramo de energias limpas e renováveis?
A DNV GL atua mundialmente no ramo de energia limpa e renovável, nas áreas de energia eólica e solar. Os principais serviços são testes, inspeção e certificação de componentes de malhas de distribuição. Exemplo de atuação é a participação em grupo de trabalho de energia renovável como parte de iniciativa para a redução de emissão de carbono na Índia, de forma a acelerar a transição para uma economia de baixo-carbono. Este grupo que congrega várias outras companhias que atuam nesse setor como, ABB, TOTAL, EDP e outras.
Como é a política da empresa de incentivos e desenvolvimentos de novas tecnologias?
A DNV GL tem um programa de qualificação de novas tecnologias. A empresa investe parte de sua receita anual em pesquisa e em desenvolvimento, combinando conhecimento e competências técnicas em diferentes áreas de negócio (marítima, óleo e gás, matérias, saúde, sistema de potência e mudanças climáticas), compartilhando os resultados com a indústria.
Quais as principais consequências da fusão entre a DNV e a Germanischer Lloyd em 2013 para a empresa?
A fusão objetivou um natural crescimento do grupo. A fusão (“merge”) estratégica uniu duas empresas com um conjunto comum de valores e atividades complementares. Ambas possuíam uma marca muito forte no mercado, bem como uma reputação de qualidade nos serviços e integridade. O novo grupo tem forte posicionamento global nas áreas de verificação de linhas submarinas e serviços de integridade de ativos, bem como certificação de energias renováveis e serviços de consultoria marítima e offshore. A fusão fortaleceu o foco do grupo na área R&D e inovação.
Como é a rotina de trabalho no seu ramo dentro da DNV GL? Como é o link entre o aprendido na faculdade e o executado no seu dia a dia na empresa?
Hoje nós temos um grupo de aprovação de planos. Então a gente desenvolve atividades de verificação e aprovação de projetos, assim como oferecemos consultoria técnica na área marítima.
Eu trabalho com uma equipe e, na medida do possível, tento compartilhar a minha experiência e conhecimento técnico com eles, e faço esse trabalho de coaching e coordenação das atividades voltadas para as áreas de estruturas, hidrodinâmica e estabilidade. Sobre o link com o aprendido na faculdade, eu posso dizer que, no mestrado e, principalmente, no doutorado, é necessário estudar muito fora da faculdade, porque a carga horária é muito pequena e a quantidade de informação passada é muito grande. Então tudo aquilo que você viu ou não viu na graduação, precisa ser relembrado ou mesmo recuperado, para poder aplicar num nível mais elevado de conhecimento.
Essa dinâmica de ter que estar sempre estudando durante o mestrado e o doutorado ajuda muito no dia a dia, às vezes na solução de problemas, porque, quando você tem a visão prática é excelente, ajuda muito, mas as vezes vai faltar um pouco de arcabouço um pouco mais teórico para você buscar uma solução não trivial, diferente, inovadora no nosso dia a dia. E esse tipo de pensamento agrega muito valor ao profissional, é um grande diferencial dentro das empresas hoje. A DNV GL, por exemplo, prima muito pela qualidade e conteúdo tecnológico, ela incentiva a busca constante por esse conhecimento.
Mediante a competitividade de mercado, a realização de um mestrado lhe abriu portas? E para o estudante que está se formando, o quanto um mestrado irá lhe agregar para a vida profissional?
O mestrado, diferentemente do doutorado, me permitiu fazer alguma coisa mais voltada para a vida prática. Durante a formação profissional, acho o mestrado uma opção pra quem não consegue uma colocação no mercado hoje. Isso vai agregar algum conhecimento adicional, mesmo que bastante acadêmico. No meu caso foi diferente, porque eu, já estando no mercado de trabalho, senti necessidade de fazer um mestrado para voltar à Universidade e alavancar conhecimentos que eu estava precisando para ajudar na minha vida profissional.
Eu não sei se um mestrado hoje é um passaporte para um emprego. Isso depende muito da demanda e da necessidade que a empresa tem. Para a DNV GL, por exemplo, isso não é essencial. Obviamente que um mestrado agrega bastante valor, mas não serviria como um divisor de águas na tomada de decisão para uma contratação. Havendo a possibilidade de aguardar o reaquecimento do mercado, que vai acontecer certamente, tentando permanecer na faculdade, eu acho que o mestrado é a melhor opção, senão a única. É uma ótima opção para você ter a oportunidade de entrar no mercado de trabalho com alguma bagagem.
Tendo em vista a dificuldade para conseguir um estágio e ingressar no mercado, o que seria um grande diferencial para um candidato? O que a DNV busca dos alunos recém formados ou na fase final do curso?
É difícil. Na entrevista, é percebido o comportamento da pessoa, como ela se coloca e etc., porque todo mundo fica ansioso, nervoso, sem saber o que vai acontecer. Todo mundo quer mostrar aquela predisposição para aprender a trabalhar. Não há exatamente um segredo. O conhecimento de softwares é importante, mas não é essencial, até porque a DNV GL tem as suas próprias ferramentas, então você vai aprender isso aqui dentro. O treinamento do estagiário se dá durante a experiência diária dele no trabalho, então ele não necessariamente precisa já ter alguma experiência anterior. O que a DNV GL procura hoje são estagiários a partir do oitavo período do curso, faltando aproximadamente um ano e meio para se formar, pois o que se busca é a possibilidade de uma contratação futura.
O conhecimento de uma planilha avançada é uma coisa importante e útil, mas não é um elemento de julgamento para definição entre candidatos a estágio. O que é mais avaliado mesmo é o comportamento e atitude do candidato. E a parte técnica exigida é o conhecimento de um aluno de oitavo período que nunca estagiou, por exemplo. O resto vai acontecer ao longo do caminho dele dentro da DNV GL.