Parte da história da navegação a vapor na Amazônia repousa, há 21 anos, na ilha do Caxangá, nas antigas instalações do estaleiro São João, o mais tradicional estaleiro do Amazonas, fundado há 86 anos. Repousando sobre a areia, já que a água do rio Negro não subiu este ano, o navio Benjamin guarda em seus convés marcas das aventuras que era, na época áurea da borracha, início do século 20, fazer viagens levando produtos extrativistas – à base da economia amazonense -, e passageiros no trajeto Belém-Rio Branco-Belém.
Entrar no barco dá ao visitante uma sensação de que está entrando em um cenário de um antigo filme, tipo Fitzcarraldo, de 1982, que teve parte realizada em Manaus, no Brasil, dirigido e roteirizado por Werner Herzog. Mais à frente, o leitor vai entender porque entrar no Benjamin – ou no que restou dele –, remete ao épico Fitzcarraldo, filmado na Amazônia peruana.
Com 55 metros da proa à popa, 9 metros de altura e 4 de comprimento, o Benjamin é mais velho que o Titanic. Foi lançado às águas em 1905, enquanto que o navio “que nem Deus afundava” fez a primeira viagem em 1912. Construído nos Estados Unidos, o primeiro nome do vapor “Benjamin” era “Baturité” e foi construído por encomenda da empresa de navegação Nicolaus & Cia.
Construído nos Estados Unidos, o vapor movido à lenha teria navegado até o Acre para transportar a produção da borracha que era exportada pelo porto de Belém. Com o declínio da borracha, veio navegar nas águas da Bacia Amazônica, transportando passageiros para Tabatinga.
À exceção dos poucos historiadores, quase ninguém lembra desses anos dourados vividos pelo vapor nas águas do rio Negro, Amazonas e Solimões. Mas, registros dessa época resistiram ao tempo e estão marcados nas paredes dos camarotes, onde uma placa pintada à mão anuncia uma oferta de promoção nos preços das passagens: “Manaus/Tabatinga – 30% de desconto; Tabatinga/Manaus – 50%.
Ao transpor o portão do velho estaleiro São João, na avenida Lourenço da Silva Braga (Manaus Moderna) na companhia do fotógrafo Ricardo Oliveira, ninguém sabe o que nos espera. “Faz logo uma foto, porque se o vigia nos colocar para correr a gente já segurou a imagem”, aconselho. Mas, o medo se dissipa quando vem ao nosso encontro o empresário Daniel Coutinho, um dos herdeiros do estaleiro e nosso amigo de longas datas, que gerencia as antigas instalações.
Daniel conta que a última viagem do Benjamin foi em 1995. Veio navegando até as águas do rio Negro e, ancorado em Manaus, ficou retido por uma briga judicial entre os herdeiros da família Pacheco – Waldemar, Fred e Kátia Pacheco, à época os donos do navio.
— Ele chegou aqui navegando, em 1995, em perfeito estado, mas a ação do tempo deixou estragos. As letras de metal com o nome BENJAMIN foram roubadas, está vendo? – aponta Daniel para as sobras das letras, que ficaram tatuadas no casco.
De acordo com Daniel Coutinho, o vapor Benjamin é o único do gênero que ainda existe no Amazonas. Ao longo do tempo, muitos empresários visitaram o vapor tentando comprá-lo, mas nunca houve acordo em relação ao preço. A venda só seria concretizada em 2000, quando o empresário amazonense Dahilton Cabral desembolsou R$ 300 mil e virou o novo dono do Benjamin. Mas, essa é uma outra história.
Fonte: Em Tempo/Mário Adolfo / Portos e Navios