Hidrovia Tietê-Paraná bate recorde

O dito popular de que ‘nenhuma tempestade dura para sempre’ reflete límpido nas águas da Hidrovia Tietê-Paraná. Depois do transporte fluvial de cargas sofrer com a estiagem por quase dois anos, o fluxo de movimentação de mercadorias pelos 2.400 km de extensão deste modal não só foi retomado como bate recorde desde dezembro passado.

Conforme a Secretaria Estadual dos Transportes, o transporte de cargas ultrapassou a 8,7 milhões de toneladas neste período, contra 6,3 milhões de 2013, no ano anterior à paralisação das atividades no trecho hidroviário.

A navegação de cargas compreende 800 km de extensão no Estado de São Paulo, interliga o modal hidroviário ao ferroviário e, também, ao entroncamento rodoviário do Interior e permite conexão comercial entre a região de Bauru e os estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. O complexo tem em Pederneiras um dos principais pontos de convergência, através do Porto Intermodal, uma conexão que alcança o mercado exterior pelos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).

São 25 terminais privados, sete estaleiros e diversas barragens que permitem a passagem de R$ 8 bilhões em mercadorias. A retomada do uso da hidrovia significa a redução no custo final dos produtos entre o escoamento no campo e a indústria de transformação. Os dados apontam crescimento de 38,09% em toneladas transportadas e representam reabertura de postos de trabalho em toda a escala do segmento, dos motoristas de carretas ao vigilantes do Porto de Pederneiras.

Do frete aos trabalhadores operacionais na fila de carga, do aumento nas instalações de empresas hidroportuárias nos rios Tietê e Paraná ao fim da ociosidade de vagões na linha férrea que interliga Pederneiras ao porto de Santos.

O sistema que engloba diferentes segmentos da economia tem no transporte de produtos agrícolas seus melhores resultados. São milhões de toneladas levando e trazendo milho, soja e cana. Do Porto de Paranaguá, no Paraná, indo e vindo, ou em direção ao Porto de Santos, sendo este pelo trecho ferroviário interligado a Pederneiras, também passam cargas diárias de óleo, carvão e adubo.

“A maior parte de carga de produtos que saem do Centro-Oeste do Brasil passa por São Paulo em direção a Santos. O Governo do Estado de São Paulo tem se esforçado para aumentar a capacidade do fluxo desta carga, com a participação efetiva no Modal Aquaviário – que é melhor ambientalmente – através do Programa Tietê-Paraná”, enfatiza Jairo de Almeida Machado Junior, diretor do Departamento Hidroviário (HD) Paulista.

Mas e o que falta para este sistema se consolidar?

Ampliar o Porto e escavar são metas

Potencial de exploração do transporte integra meta da Prefeitura de Pederneiras e Estado investe R$ 203 milhões na ampliação do canal

A experiência com a estiagem, tendo como consequência direta a paralisação da navegação e a perda de faturamento, fechamento de empresas no setor e demissões em massa, foi o alerta derradeiro para o setor público apressar investimentos na Hidrovia Tietê-Paraná. De sua parte, o governo do Estado de São Paulo contratou a obra de derrocamento e ampliação do Canal de Nova Avanhandava.

O investimento é de R$ 203 milhões e as obras no Canal de Navegação da Eclusa de Nova Avanhandava foram iniciadas há pouco mais de dois meses, com participação da União (PAC) e Estado.

De outro lado, a Prefeitura de Pederneiras informa que a atual gestão vai recolocar o “Porto Intermodal na lista de prioridades do desenvolvimento econômico local e regional. Temos muitos empregos ligados à hidrovia e já iniciamos tratativas com empresários interessados em ampliar instalações, como a MRS. A ampliação de cessão de áreas na área do Porto Intermodal é fundamental para aproveitar e consolidar a retomada do uso da hidrovia como modal de transporte”, afirma o prefeito de Pederneiras, Vicente Minguili.

Os resultados da escavação não são a curto prazo. Mas considerados essenciais para a segurança da navegação no trecho. Segundo o Departamento Hidroviário do Estado (HD), o prazo de conclusão da obra é julho de 2019. “Por tratar-se de uma obra extensa e complexa, que será feita em 10 km da hidrovia, a empresa responsável está mobilizando os equipamentos, máquinas e instalando os canteiros. A execução dos serviços está a cargo do Consórcio Hidrovia Tietê-Paraná, formado pela Construtora Queiroz Galvão S.A. e Cetenco Engenharia S.A”, informa a Secretaria Estadual de Transportes.

Com a escavação, o canal de navegação terá mais 2,4 metros de profundidade no acesso à jusante da eclusa em Avanhandava. “A obra irá possibilitar a compatibilização do uso do reservatório tanto para a navegação como para a geração de energia, já que permitirá a operação da Usina de Três Irmãos na cota mínima de 323 m, sem trazer qualquer prejuízo à navegação e ao transporte de cargas”, argumenta o HD.

Além dos efeitos sobre a navegação, transporte de cargas e geração de energia, as melhorias irão ampliar empregos. O aumento no volume de cargas beneficia parte da população ao sudeste de Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Goiás.

Gerenciar as águas

O fim da proibição de uso da hidrovia para o transporte de cargas não veio somente da significativa melhora na sequência de chuvas com efeito sobre os rios Tietê e Paraná. O Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo (DH) teve de agir no gerenciamento das águas. A reativação da navegação no trecho entre o km 99,5 do reservatório de Três Irmãos e a eclusa inferior de Nova Avanhandava ocorreu em 27 de janeiro de 2016. O ponto ficou interrompido para a passagem de embarcações desde maio de 2014, em decorrência do baixo nível dos reservatórios de Três Irmãos e Ilha Solteira.

As secretarias de Energia e Transportes do Estado de São Paulo atuaram junto ao Operador Nacional do Sistema (ONS). Com isso, os reservatórios nos rios Tietê, Grande e Paranaíba sofreram transferências na gestão do volume de águas que permitiram o nível de armazenamento necessário para restabelecer a navegação. “Em agosto de 2015 foram iniciadas as operações para transferência de água dos reservatórios localizados à montante de Três Irmãos e Ilha Solteira. O cenário de chuvas registrados no final de 2015 e início de 2016 também contribuiu para o aumento dos níveis”, confirma o DH.

O Porto de encontro das cargas

Caminhões formam fila de mais de um quilômetro em plena sexta-feira pós feriado no Porto Intermodal de Pederneiras; cargas retomam fôlego

Eles vieram de longe. E na sexta-feira à tarde aguardavam, com paciência, na fila para carregar no Porto Intermodal de Pederneiras. A retomada da operação do Porto fez fila de caminhões em pleno dia pós-feriado, à tarde, na cidade vizinha.

Os caminhoneiros de Imbituva (PR) estavam no final da fila, às 15h30 da sexta. As carretas vieram com 32 toneladas de malte cada uma. Carregaram em Guarapuava (PR) e de lá foram levar uma das matérias-primas da cerveja para Itu (SP). Vieram de carreta vazia até o Porto de Pederneiras. “Aqui nós carregamos soja e vamos levar para Ponta Grossa (PR). Se dermos sorte na fila caímos na estrada ainda hoje (sexta). Se não der, dormimos na fila de carretas e amanhã (sábado) partimos”, conta Alberto de Goés, motorista autônomo há 10 anos.

O frete da soja no Porto foi contratado a R$ 90,00 a tonelada. “Este é um preço médio. Já esteve bem baixo. Serão 11 horas de viagem de Pederneiras a Ponta Grossa, saindo por Lençóis na Rondon, Avaré e depois Taquarituba e entrando no Paraná por Itararé e Sengés”, conta.

Em geral, Góes conta que faz um frete igual a cada 15 dias. “Aqui ficou parado pelo menos dois anos por causa da estiagem. Agora retomou e já trazemos muito malte a granel para o Estado de São Paulo e depois levamos soja daqui para Ponta Grossa e o Porto de Paranaguá (PR)”, conta.

Mauro Alessi, 22 anos de boleia, confirma que a estiagem trouxe prejuízos. “Nós vivemos do frete e a parada aqui do Porto prejudicou bastante. E tem muita gente que trabalha nas outras áreas desse meio. Afeta a todos. Agora já dá para fazer uma viagem por semana. Este Porto aqui leva muita coisa para o Porto de Paranaguá. Isso tudo é riqueza que transportamos e vai para exportação até”, reforça.

ADUBO E QUIRERA

Os companheiros de Ijuí (RS) Roberto Matte e Pablo Felipin rodaram bem mais que os paranaenses para chegar a Pederneiras. De sua cidade natal eles arroz em casca (quirera) para uma empresa de fabricação de alimentos de animais em Santa Cruz do Rio Pardo (SP). As carretas ainda pegaram um frete de adubo para Ribeirão Preto (SP). Só depois chegaram ao Porto Intermodal, vazios, para levar soja na volta.

“Nós trouxemos ureia para fazer adubo e também quirera. A ureia vem do Uruguai para o Porto de Paranaguá. A quirera pegamos no Paraná e vem para cidades como aqui em uma fábrica grande em Santa Cruz do Rio Pardo. Fizemos ainda outras cargas. Eu estou na estrada já há um mês e meio. Aqui nós pegamos a soja que vem de embarcação de Goiás. É nossa primeira vez aqui no Porto de Pederneiras. Aqui ficamos sabendo que estava tudo parado há dois anos e por isso não vinha quase ninguém mais para cá”, descreveu Roberto Matte.

Sorridente, o amigo de estrada Pablo Felipin, caminhoneiro há sete anos, pontua que a seca paralisou o uso do rio. “O frete parou porque teve pouca chuva aqui. Mas hoje estamos aqui de volta e acho que o movimento vai aumentar. Se não der para carregar hoje (sexta a tarde) nós dormimos na fila e amanhã partimos”, concluiu.

Enquanto caminhoneiros esperavam a fila prosseguir, o vigilante da empresa contava que o fim da estiagem significou carteira assinada pra ele. “Eu trabalhava na roça. Agora estou aqui na portaria, mas ficou dois anos parado e muitos amigos perderam o emprego depois que a estiagem paralisou a navegação. Aqui carrega 24 horas, em três turnos de funcionários”, contou. Enquanto os caminhoneiros batiam papo na fila, dois ônibus passaram levando funcionários. Na sexta eram 32 trabalhando somente no setor operacional de carga. Outros cumpriam jornada em áreas de suporte.

Eles estão no Porto

Entre as empresas instaladas no Porto Intermodal de Pederneiras está a Louis Dreyfus Company (LDC), operadora da hidrovia Tietê-Paraná que movimenta milhares de toneladas de graneis sólidos de origem vegetal (soja e milho) por ano.

Em relação às operações no local, a Dreyfus aponta que a “hidrovia é um importante modal para o escoamento de soja e milho, principalmente oriundos de Goiás e Mato Grosso para a região sudeste do país. Além disso, as hidrovias se tornaram uma opção mais sustentável que o transporte rodoviário, com ganhos em termos econômicos, ambientais e sociais, pois reduzem a emissão de dióxido de carbono na atmosfera e o congestionamento e acidentes nas estradas”.

A MRS atua na área intermodal e quer ampliar seus negócios. Em recente encontro com o prefeito de Pederneiras, Vicente Minguili, a coordenadora de Projetos Comerciais de São Paulo da MRS, Gisele Leite, argumentou em favor do potencial do setor na área. “A cidade tem um grande diferencial que é a proximidade com a hidrovia e com rodovias importantes. Por isso foi discutido com o prefeito a utilização do Porto Intermodal de forma inteligente, pensando a longo prazo em maximizar aquele potencial”, explicou.

Neste ano, a MRS adquiriu uma área de 440 mil metros no Porto Intermodal com o objetivo de expandir o atendimento e construir novos terminais, um voltado a contênires. “Esse terminal de contêineres já está em processo de licenciamento ambiental na Cetesb. Após obtermos a licença de instalação, a próxima etapa será iniciar as obras”, explicou a coordenadora.

Conforme o prefeito Minguili, a estiagem provocou “a perda de 300 empregos diretos na operação do Porto Intermodal, a maioria de Pederneiras. Portanto, desenvolver a cidade aproveitando o rio Tietê é uma prioridade”.

Fonte: Portos e Navios

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *